quinta-feira, 17 de março de 2011

Já fui!


Dia 16 dos março de 2011

Ragusa Ibla
Ristorante Duomo – Ciccio Sultano

Então, depois de tantos anos sem escrever nada, eu retorno aqui de frente ao mini computador portátil para dizer qualquer coisa para vocês que sempre me acompanharam e sempre confiaram nestes textos para trazer alguma coisa a mais para suas vidas.
Claro que depois de toda a adaptação, não tem muito o que vos dizer. Basta seguir a rotina e continuar sempre em frente. Sem reclamar, isso é importante. Descobri uma coisa muito importante nestes últimos dias, eu estava entre duas conclusões, ou eu era muito folgado, ou eles que pegavam muito pesado. Claro que eu era folgado. Mimadão da mãe. Sabe? Do tipo mamãe quero nanar...
Tudo bem. Bastou um mês e eu entendi o que se passa. O mundo da cozinha é assim mesmo. Hierarquia. Seguir ordens, fazer direito, rápido e não abrir a boca.
Regra numero um: Nós não pensamos. Quem pensa é o chef e o sub-chef. Eu não devo pensar em nada. Eu não represento nada. Não sou ninguém. É uma quebra de moral para mim que consegui vencer desafios muito maiores do que carregar caixas de peixes e de verduras. Mas a cozinha é assim. Injusta na maioria dos casos e mais violenta que qualquer outro posto de trabalho existente. Já dizia minha cunhada!
Mas o que vale é aprender e aprender. Trabalhar e trabalhar até que possa chegar no posto de pensar e dar as ordens. Uma sobre a outra mesmo. Não interessa, se não terminou é porque está muito devagar.
``Mas trinta segundos não é suficiente``
``Não me interessa um cazzo``
E no fim a gente se adapta. E aprende a dedicar toda a energia mesmo sem receber nada. É assim.
E agora com esse pensamento mais humilde as coisas parecem melhorar. Bastou eu pensar menos e trabalhar mais. Não mais do que antes, porque desde que eu cheguei eu me dediquei sempre no meu quase(porque tem que ser verdadeiro) máximo. O importante para mim foi mesmo parar de pensar.
Lembrar de tudo e tudo mais.


Fora cozinha nada acontece. Uma pena. O tempo que não estou na cozinha, ou to em casa dormindo ou com a bicicleta por ai. Alias a Mara sofreu um acidente terrível. Chorei... Minha Mara...
Aconteceu no domingo, eu sai na chuva para fazer uma bela trilha do outro lado do rio. Sai com chuva mesmo porque sabia que o barro estaria ainda virgem para os pés da minha Deusa. Fiz toda a trilha que no final acaba com uma bela escadaria de pedras grossas e irregulares. Muita adrenalina!
A Mara fez tudo certinho!  Já era a terceira vez que descia ali, mas com chuva foi ainda mais legal. Tudo nos esquema, umas duas paradas para tirar o barro dos olhos e vamos em frente. Já em Ibla eu fazia o trajeto para chegara casa e um grupo de jovens me olhava com os olhos atentos: `` Ma che cazzo sta facendo??``
Me olharam tanto que eu resolvi dar uma buzinadinha, e foi ai que eu cometi o erro mortal. Perdi a traseira na curva molhada e a roda acertou o carro estacionado com violência. Entortou a roda ferozmente. Chegamos em casa naquela fatídica tarde de domingo caminhando... Chorando... Levei logo no dia seguinte a roda para uma loja de bicicletas para ver se poderíamos reparar aquele terrível ferimento. Sim, mas não ficara jamais perfeito... Tem que trocar...
Agora me encontro sem saída. Tenho que voltar para o Brasil com a Mara machucada mesmo e resolver esse problema no outro lado do oceano atlântico.
Os malucos queriam 50 euros para uma roda nova... beberam.

No fim tudo bem. Restam-me só quinze dias mesmo.


Agora é só trabalhar e aprender tudo que tem pra aprender. Além do que eu já vi.



Frase: Pois malandro pra ser malandro tem que ter fé.



Dia 17 marzo 2011

É oficial! Duas semanas e via.

A transformação é evidente e aquele que parecia ser o mais insuportável passou a ser o maior maestro e aquele que parecia ser o maestro passou a ser mais do que insuportável.
No final das contas o sub-chef é o mais engraçado e o maior professor. O resto se trata de merda e bosta de gato.
São todos uns parasitas. Quero mais é mocotó.


Salve salve simpatia!!!!


quarta-feira, 2 de março de 2011

Chato...






Dia  01 de março

Aruera pica-pau

Com uma bicicleta poderosa como a Mara Maravilha, eu consigo me transformar no maior de todos, o mais admirado e poderoso do mundo!
Eu desço escadarias e montanhas, rios e trilhas. É emocionante e me faz feliz. Quando descia a primeira rua aqui de casa, na contra-mão, uma mulher abriu a porta do carro sem olhar para a rua e eu vi a morte passar perto do muro me chamando... parei a bicicleta algumas dezenas de metros abaixo, olhei para traz, tirei o fone do ouvido e disse: Você não enxerga não dona????
-Enxergo sim, mas eu olho sempre os carros que sobem e não os que descem na contra mão...
- Tudo bem... Tudo bem...

Vazei, com mais atenção desta vez...
É praticamente um risco constante de vida, ou ao menos de um braço ou perna que se pode perder numa velocidade daquelas. Não se preocupe vó, ta tudo bem e vai continuar assim. Hoje eu provei descer uma escadaria gigante que vai a fianco com a igreja da praça Duomo. Madonna... A Mara se demonstrou resistente e pronta pro baque.

Fora isso na cozinha vai tudo bem, nas devidas proporções. Começa hoje a contagem regressiva. A partir daqui serão exatos 30 dias que me restam aqui no Ristorante Duomo. Triste e ao mesmo tempo feliz. Vou para a casa, mas deixarei para trás esse lugar mágico de luz, natureza e produtos do além.
Pessoas que me odeiam, mas sentiram muito a minha falta quando eu sair. GUGLERMOOOOO!!!
Esse é o lugar onde eu estou vivendo... Chato...
Opa... Non c`e Più... Ma vaaa

Agora eu já posso falar. Posso dizer aquilo que penso e sinto vontade de dizer.
Semana passada, na sexta-feira, eu e Matteo fazíamos os biscoitos de pistache, direto, 17 horas de pé sem parar, naquele dia. Em meio ao momento de pausa, nos produzíamos biscoitos, e um dos chefes de partido veio até nós e disse: Psiiiuu fiquem quietos que eu quero dormir um pouco... Ma va cagaaaa meu filho, nois ta aqui no maior rala pra terminar esses infinitos biscoitos sem pausa, sem nada e você vem me enxer o saco... Então eu respondi, Chupa meu caralhooo!!!
O rapaz volta olha pra mim, tira os óculos e se enfeza.
Eu: Calmaa... to brincandoo...

Huhuhuh
É nada, aquele pedaço de merda veio tira onda e tomo uma invertida que não esperava. É assim que é parceiro... Somos estagiários, e não cavalos!
Sucesso!


Paz amor e sexo!



 


Dia 28 fevereiro

EU sou feliz, triste é quem nasceu numdia 29 de fevereiro, que em alguns anos não faz aniversário...

Ela já não é a minha pequena, que pena...

Chuva, segunda-feira e nada de bicicleta e sol. Triste e frio. Ontem nevou aqui na Itália... ontem não.... Antes de ontem, e ontem fez um sol danado. E hoje chove e faz frio. Essa é a Sicilia.
Amor e paz na terra.






Dia 25 de febbraio 2011

Ragusa, duomo.

Bicicleta, musica, cozinha e birra.

Eu, Guilherme, Gino, Brasilia, Brasil ou qualquer que seja o nome que quiser me dar, já sei onde estou e para onde vou. Tinha em mente alguma coisa, que não me lembro mais e penso em qualquer coisa que já me esqueci.

A verdade é que eu não tinha rotina alguma. E  agora a rotina toma conta do meu tempo. ROTINA. Entrar numa cozinha e fazer alguma coisa todos os dias, ver o que acontece com o alimento que ali chega zerado. Cada ingrediente e cada coisa que eles compram, chega no seu estado mais fresco, zerado e sem nenhum tipo de manipulação. Quase cem por cento de tudo é assim. Nós fazemos as marmeladas, as carnes defumadas, os peixes e as frutas e verduras.
É lindo, e sei que isso é o que rende as estrelas e a fama do chef Ciccio.
Um mestre sem duvida. Estou no melhor posto da Sicilia, e da Itália.
Por esses motivos não pude deixar que os joguinhos e as roturas de grãos me fizessem ir embora. Vou vencer porque sei que valerá a pena. A confiança chegou num ponto bom. Já emprato as sobremesas. Duas vezes por semana eu cozinho o almoço para a geral. Hoje mesmo caprichei! Pasta vegetariana com legumes ao forno e panceta de cordeiro. Bom por bosta!
Na primeira semana o marco eu vi o marco com um prato de massa feita por mim. Comeu um pedaço de massa e desprezou o resto. Hoje eu vi aquele gordo se empanturrando com os legumes enfornados.
Alias, a risada me salva! Eu dou risada de tudo e aqueles imbecis não entendem porque eu dou risada. Se eu tomo uma enrabada, eu rio. Se alguma coisa não vai bem, eu rio. E as vezes rio sozinho e eles me perguntam de que caralho eu rio. E eu respondo que rio porque sou feliz.
Isso talvez tenha criado um pouco do clima estranho. Eles não entendem como eu consigo ser feliz mesmo fazendo o serviço sujo. Tira o lixo de 30kg dançando e limpa embaixo do forno cantando.
Mas no fim eles me metem sempre no rabo por causa disso. Mas isso aos pouco muda, e eu pouco a pouco entendo aquilo que os sicilianos estranhamente dizem em italiano. Já consigo responder aos insultos gratuitos. Exemplo, quando o Pepe, primi piatti, montou nas minhas costas quando eu estava abaixado para pegar a forma de batatas eu levantei com a forma na mão e disse que iria enfiar a telha com batata e tudo no seu rabo. E o bom é que eles brincam junto, e respondeu tudo bem, mas tira o papel alumínio que eu não gosto. E tudo termina com risada. Ainda bem! Antes era eu com cara de bosta: Han?

Pensem.


No mais, tudo bem. Ou melhor, melhorando conforme os dias passam...
Passam assim, sem pensar e apesar do pulsar do coração machucado, o passar das horas e dos dias me confortam porque sei que voltarei para meus amores não esquecidos, e terei a certeza que os amores ainda não esquecidos irão, ao menos penso eu, ficar na memória, pequena, junto com os traumas mascarados da pequena história de quase 8000 dias que passaram desde aquela fatídica manha de terça feira de novembro de 1989 em que nasceu tanta gente, e nesse mundo de gente, um pequeno bambolino chamado GUILHERME MARTINS HOFFMANN!
Novamente meus amigos italianos ignorantes, GUILHERMEE!!!
Um dedo lá para os italianos e um beijo e um abraço apertado para o resto do mundo!
Brincadeira, amo todo o mundo, sem discriminação, com exceção dos que discriminam. 
Força, paz e amor.